Dada a extensão do documento, posso resumir parte do conteúdo, de forma a introduzi-lo e até facilitar sua navegação pelos tomos. Tudo se inicia assim: era uma vez um bode. Sua missão em vida, como ele próprio definiu, era servir. E servia a tudo, não importava o que fosse — gente, coisa ou ideia, tudo era tratado como mestre acima dos seus singelos chifres. Muitos pensavam que essa subserviência era um fetiche, mas a verdade é que do bode jorrava uma fonte inesgotável de poder, e cedo ou tarde ele se tornaria alvo da reptiliana vinda das fronteiras da realidade — uma entidade prevista pelas escrituras, mas tida como um fato cruel do destino. Cruzando o inferno dos desertos e os inabitáveis gelados do Sul, a criatura finalmente alcançou o bode. Seu tamanho e forma desafiavam qualquer limite imposto por nosso mundo, repelindo todos os mortais ou espectros que cruzassem seu caminho. De suas costas brotavam espinhos que desciam da corcunda até a ponta da cauda, perfurando a pele de couro ensanguentado que usava como vestimenta. Sua arma era um tridente de origem ambígua, já que nem todas as sutilezas da língua da profecia jamais foram completamente decifradas pelos estudiosos. Mas, se havia algo implícito nos escritos, era a dor que esse ser sentia ao empunhar aquele garfo cósmico. Ainda assim, ela precisava cumprir seu destino — e o fez, cravando o tridente no peito do bode, deixando cair sobre ele todo o peso de seu corpo titânico. Com uma estranha serenidade, o bode pousou lentamente as patas sobre a face protuberante do réptil e, apesar da rigidez dos cascos, transmitiu uma doçura que a outra jamais havia experimentado em seu plano. “No fundo,” disse o bode, “você me entende, pois anseia pela liberdade de forjar as próprias correntes, como eu também pude forjar.” Então, desferiu um beijo sobre os lábios escamosos da criatura. Suas palavras atingiram sua nova companheira com a força de um machado, rasgando o tecido primordial que sustentava sua forma e conferia apetite à sua alma. E, embora ambos tenham perecido há muito tempo, esse breve romance foi imortalizado nos contos — até que, enfim, viesse a ser adaptado nestes livros que anexei para seu deleite. Lembre-se: isso é só o começo.