Os ponteiros do relógio deslizavam, escorregavam, rodopiando sem enjoar, sem chegar a lugar nenhum. Como a música alta que não alcançava os ouvidos daquele jumento, perdido no canto do balcão, encarando a garrafa, mas contemplando o vazio. O toque de um velho amigo o despertou do devaneio, enquanto o cheiro de lavanda, que não combinava com nenhum dos dois, pairava no ar. O tucano sabia fingir como ninguém. Falou de mares que vêm para o bem e de estilos obscuros, sem sabor. O jumento, fiel de verdade, apenas ouvia, indiferente ao que o tucano chamava de progresso.
A noite se arrastou entre vidas que podiam ser e recordações que embriagavam mais do que a bebida. As horas, perdidas entre cafés e cigarros, giravam no relógio, sempre voltando ao meio-dia e chegando à meia-noite, como num ciclo sem fim. O vento lá fora convidava, fresco, como um recomeço, enquanto a cortina bocejava, prestes a levar o Sol.
— Talvez fosse hora de pular fora desse lugar — disse o tucano. — Porque quinta passada, do meu quarto, ouvi que você queria cair da cachoeira. Eu não sei se mereço, mas quero cair com você também.